Impeachment, golpe?

Num momento histórico como o que vivemos, o tema desse mês não poderia ser outro. Começamos evocando a Lei no. 1.079/50 que qualifica os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República, e a pena a ser imposta, a ‘perda do cargo’. Essa mesma lei deixa claro, que os atos que atentem contra a lei orçamentária e a Constituição Federal. E a nossa Constituição Federal, diz explicitamente em seu artigo 85, exatamente o mesmo, ou seja, qualquer ato que atente contra o orçamento.

O Brasil se rebelou contra o governo, o povo foi às ruas, inicialmente não pelo crime acima. A população saiu do conforto de seus lares, da companhia das famílias, contra um governo que aplicou um verdadeiro golpe quando foi eleito, ou melhor, reeleito. Um governo eleito com base na mentira, com base na expropriação do patrimônio público, com base no caixa 2 de campanha, com base no fisiologismo, com base em esquemas fraudulentos como o “petrolão” e o “mensalão”. A presidente que foi cassada nesse mês conseguiu sim 54 milhões de votos, pouco mais do que os 51 milhões de seu adversário, porém, essa pequena maioria não lhe dava um salvo conduto para fraudar as contas públicas.

Em março desse ano mais de um milhão e meio de pessoas estiveram na Avenida Paulista, pedindo a saída da presidente, o mesmo aconteceu por todo o país, do Oiapoque ao Chuí as ruas foram tomadas com o sentimento de “basta”.

Finalmente o processo chegou ao Congresso Nacional, depois de mais de um ano de manifestações. E quando a discussão começou, o partido que estava no governo e a defesa da presidente se apegou à teoria do golpe. Primeiro elevando o ex-presidente da Câmara como inimigo número 1 e responsável por esse ‘golpe’, depois aumentando o leque dos golpistas. Só não explicavam como se aplica um golpe, dando o amplo direito de defesa, seguindo rigorosamente o processo legal, a Constituição Federal e a Lei do Impeachment. 

Invocaram a ‘seriedade’ da presidente, sua honestidade, sua condição de mulher, de ex-perseguida política, como se tudo isso lhe desse o direito de falsear a população. Infelizmente, não mostraram com clareza, que quando fez parte da luta armada, não desejava apenas a queda da ditadura militar, como todos os democratas da época, lutava também pela instituição da ditadura comunista, ou seja, não lutava por democracia, lutava por um outro tipo de ditadura.

A operação Lava Jato mostrou todas as mazelas que tomam conta da política brasileira, em especial do governo federal. O brilhante jurista, Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment da presidente ao lado da advogada Janaina Pascoal e do fundador do PT, Hélio Bicudo, disse claramente em seu discurso no Senado que “houve crime de responsabilidade e houve dolo”, as pedaladas fiscais existiram, “o fato se consumou e está consumado”.

Estávamos diante da maior crise ética e moral da história do Brasil, e tivemos um processo totalmente correto, porém, temos de falar também que um julgamento pelo Senado Federal não é um julgamento estritamente jurídico. É um julgamento político, sim. Se assim não fosse se daria diretamente no STF. Se estivéssemos diante de um golpe, como argumentara a defesa, não teríamos processo, não teríamos votações, não teríamos a chancela do STF, pelo contrário. Se estivéssemos diante de um golpe, simplesmente os golpistas entrariam nos palácios e retirariam a presidente a força e a mandariam diretamente para o lugar reservado aos depostos por golpes. Apenas nas ditaduras, os governantes podem fazer o que querem. Nas democracias, eles têm sim, de respeitar a vontade popular, e o voto da maioria não dá a ninguém um salvo conduto para tratar o bem público ao seu bel prazer. O golpe foi dado quando a real situação do país foi escondida para garantir a reeleição de um modelo falido, de uma organização que não tinha um projeto político, mas sim um projeto de poder macabro. Mas houve sim um golpe final no processo, quando o Presidente do STF aceitou um destaque e votou em separado o afastamento definitivo da Presidente da República e a inelegibilidade por 8 anos. No final foi uma vitória com gostinho de “acordo”, afinal aquele que estava ali para servir como guardião da Constituição Federal a rasgou sem nenhum pudor e aceitou uma situação que viola claramente o artigo 52 que dispõe em seu parágrafo único que proferida a condenação por crime de responsabilidade o Presidente da República perderá o cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, ou seja, não é questão de uma ou outra situação, o caso é de uma situação única, mas isso ainda dará muito “pano pra manga”.

Enfim, como disse Miguel Reale, demos uma “demonstração imensa de democracia ao mundo”. Entramos num novo tempo, e que fique o exemplo, quando se tem democracia, o poder é exercido pelo povo, e não há espaço para pseudo golpes como o antigo governo tentou aplicar.

José Antonio F. Antiório Filho é Advogado com MBA em Gestão Empresarial.

*Artigo publicado na Revista Vertical News

Edição nº 37 – 09/2016