Foro Privilegiado?

Em tempos que temos mais especialistas em direito do que em futebol, um dos temas mais comentados é o fim do foro privilegiado. Muitos criticam essa “regalia” como se assim o fosse, mas será mesmo?

Muitos dizem ser uma imoralidade, outros um privilégio dos poderosos, mas precisamos separar o joio do trigo. O foro especial por prerrogativa de função, popularmente chamado de for privilegiado, nada mais é do que uma garantia de que autoridades não sejam julgadas por juízes de primeira instância, muitas vezes até mesmo para preservar o cargo.

Infelizmente, em nosso país, muita coisa acaba se desvirtuando e transformando algo que seja importante se visto por um ponto, acaba parecendo uma imoralidade se olhado por outro. A discussão gerada acabou fazendo com que muitos oportunistas surfassem nessa onda. Políticos que vão realmente se beneficiar se o foro acabar levantaram a bandeira da moral.

Ministros do Supremo Tribunal Federal passaram a legislar, fugindo de sua principal função e que deveria ser única, que é julgar. Hoje quase toda a população sabe “escalar” os 11 membros do STF, mas nem imagina quem são os titulares da seleção em tempos de Copa do Mundo.

Caso tenhamos realmente o fim do foro privilegiado para todas as autoridades preservadas por essa prerrogativa atualmente, com certeza teremos muito mais prejuízos do que benefícios. A lentidão atribuída ao andamento dos processos é completamente enganosa. Os detentores do foro especial acabam precisando sim de uma certa “autorização” para serem processados e julgados, porém, o são em instâncias superiores, o que faz com que os processos fossem muito menos demorados ou mesmo sem tantas oportunidades de chicanas jurídicas.

Temos um caso típico dessa demora para quem não tem foro privilegiado, que é do jornalista Pimenta Neves, que matou a namorada e levou mais de uma década para chegar à prisão, em meio à uma série de recursos e tentativas de livrá-lo da prisão. Se pegarmos um caso de autoridade que “abriu” mão do foro, pegamos o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, que teve seu processo encaminhado à primeira instância no julgamento do chamado “mensalão tucano” acabou preso depois da condenação em segunda instância, ou seja, em processo que ainda não terminou, mesmo já durando mais de 11 anos. Se fizermos uma analogia com o mensalão do PT, que levou a cúpula do partido à cadeia e julgado pelo STF, este durou cerca de 5 anos e levou os réus à prisão, e por já se tratar da última instância acabou tempo pouco mais de 2 anos para que as sentenças transitassem em julgado.

Outro temor do fim do foro especial é o poder de certas autoridades nos rincões do país. Não podemos deixar de ter em mente que não temos “Sérgios Moros” por todas as comarcas do país. Sem colocar em cheque a competência e seriedade dos magistrados, podemos por outro lado falar que em muitas cidades existem pessoas que dominam todos os poderes.

Precisamos pensar também que se qualquer comarca puder julgar uma autoridade podemos ter processos “pipocando” por todo o país, e aí imaginemos que algo falado pelo Presidente da República e que seja passível de uma ação judicial comece a ensejar ações de norte à sul. Todos têm direito à ampla defesa, e sendo assim, aquele que deveria cuidar dos destinos do país teria de constituir advogados e locomover-se por todo o território nacional para se defender. Se as ações forem por vingança, então, pior ainda. E assim teríamos o sistema bastante prejudicado.

Agora, algo que precisamos ter em mente é que o foro especial foi desvirtuado ao longo do tempo. Ter algum benefício pelo exercício de determinado cargo deveria dar algum privilégio apenas e tão somente em função de atos praticados do exercício dessa função.

É chegada a hora sim de exigirmos o cumprimento das leis, mas também de colocarmos a mão na consciência e fazermos o mea-culpa. Será que seguimos tudo à risca? Dia desses um conhecido estava irritado pela volta dos radares num certo local, dizendo que era um absurdo ser multado sem que houvesse um aviso, oras, se ele andasse com seu carro seguindo aquilo que deve ter aprendido quando tirou sua habilitação para dirigir não haveria de se preocupar.

Também precisamos de um Poder Judiciário mais independente. Ministros alçados ao cargo por critérios estritamente meritórios e não políticos seria um bom início.

Enfim, o fim do foro especial não se traduzirá em uma Justiça mais eficiente, e com certeza gerará uma grande decepção, principalmente quando percebermos que, pelo contrário, muitos acabarão sendo ainda mais privilegiados.

José Antonio F. Antiório Filho é Advogado com MBA em Gestão Empresarial.

*Artigo publicado na Revista Vertical News

Edição nº 53 – 06/2018