Libera Geral?

O novo governo assumiu e em pouco menos de 20 dias cumpriu uma de suas maiores bandeiras de campanha, a flexibilização da posse de armas.

Quando nossa editora me sugeriu essa pauta, voltei alguns meses no tempo e lembrei exatamente do dia 28 de outubro, quando a apuração foi encerrada e o presidente declarado eleito, meu filho de apenas 11 anos sentou ao meu lado na cama, preocupado e ao indaga-lo, um choro surgiu dizendo que agora todo mundo iria andar armado, que iam todos se matar. Me disse que era o que ouvia entre os adolescentes da escola, etc. Como fiz com ele aquele dia vamos colocar alguns pingos nos is, sem entrar no mérito político da questão.

Para ele foi mais simples, eu apenas disse, como pai e advogado, que temos uma Lei maior em nosso país, a Constituição e outras leis que regulam toda nossa vida, inclusive nesse tocante.

O decreto assinado pelo presidente da República facilitou sim a posse de armas, mas não podemos, em primeiro lugar, confundir posse com porte. A posse de uma arma é apenas a sua propriedade e a sua guarda dentro de casa ou de um estabelecimento comercial próprio e, ainda assim, de acordo com o decreto com diversos cuidados que devem ser observados, entre eles o de possuir local seguro e com chave em casas onde houver crianças ou adolescentes. O porte de arma é uma autorização dada à pessoa para circular com uma arma, na rua, no carro, etc. Nesse quesito nada foi mudado, portanto, continua sendo proibido circular com arma de fogo.

Entrando um pouco mais a fundo na questão vemos diversos especialistas comentando o tal decreto, muitas vezes passionalmente. Dizem por exemplo que as armas serão utilizadas para segurança da residência, do comércio ou da propriedade rural. Fico aqui pensando, uma pessoa leiga, com uma arma em punho, estará mesmo preparada para essas situações? Sabemos que o estresse de um ataque é imenso até mesmo para policiais que são treinados para extremos, quanto mais para uma pessoa que não está acostumada. Uma vítima que é surpreendida por um bandido em sua casa, por exemplo, estará completamente apavorada no momento dessa invasão e mesmo que tenha treinamento de tiro, estará frente a frente com uma situação nova e inesperada, e isso é preocupante. Outro fato é o de que se levarmos em conta os suicídios, os números daqueles que têm uma arma sempre à mão é muito maior do que os de quem não tem esse fácil acesso, senão vejamos, o número de suicídios no Brasil é de 5,7 a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). É também imensamente maior entre homens e pessoas com algum tipo de decepção pessoal. E quem nunca teve uma decepção tão grande que não pensou em morrer ali mesmo, em dar “cabo” à própria vida? Se pegarmos então pessoas com acesso à arma aliado a pessoas que vivem no extremo, como policiais, esse número aumenta ainda mais. O suicídio representa cerca de 47% das mortes não naturais dos agentes de segurança. E ainda existem os acidentes, que mesmo com chave para “trancar” a arma, nem sempre funciona. Cito um caso que foi próximo a mim já há anos, um garotinho de cerca de 10 anos, filho de um policial conhecido, pegou sua arma enquanto este dormia para brincar, a arma caiu e o tiro mortal atingiu essa criança, sem chance nem de socorro. É uma questão a se pensar, e muito, antes de comprar uma arma.

Realmente não podemos afirmar, como dizem os defensores da flexibilização, que esse fato aumentará a violência, afinal bandido não compra arma em loja e muito menos registra em seu nome. Também não podemos dizer que não teremos mais violência, pois haverá muito mais pessoas armadas, o que pode inclusive aumentar o número de roubos e furtos a residências, pois os criminosos podem optar por esse tipo de ação em busca de armas.

Enfim, estamos diante de um grande dilema: liberou geral? A resposta prontamente é Não, porém, como diz o ditado: “cada cabeça, uma sentença”, e se esses possuidores de armas resolverem sair às ruas com elas para se “defenderem”? Uma simples discussão de trânsito pode acabar em morte. E uma briga de casal se um dos dois tiver acesso à arma? Poderemos ter uma tragédia. Sendo assim meus caros leitores, pensemos bem se vale a pena ou não ter uma arma em casa, afinal, arma não é brinquedo.

José Antonio F. Antiório Filho é Advogado com MBA em Gestão Empresarial.

*Artigo publicado na Revista Vertical News

Edição nº 58 – 02/2019